quinta-feira, novembro 6

O Centro do Tempo

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Não gosto de colocar textos longos, pois a maioria das pessoas que visitam os blogs gostam de textos curtos, dinâmicos, há tempos queria partilhar esse texto, que acho muito interessante, espero que tenham tempo e disposição. Vale a pena.

Há um lugar em que o tempo fica parado. Pingos de chuva permanecem inertes no ar. Pêndulos de relógios estacionam no meio do seu ciclo. Cães empinam seus focinhos em uivos silenciosos. Pedestres estão congelados em ruas poeirentas, suas pernas erguidas como se amarradas por cordas. Os aromas de tâmaras, mangas, coentros, cominho estão suspensos no ar.

À medida que um viajante se aproxima deste lugar, vindo de qualquer parte, ele anda cada vez mais devagar. As batidas do coração ficam cada vez mais espaçadas, sua respiração arrefece, sua temperatura cai, seus pensamentos diminuem, até que ele atinge o centro morto e para. Pois este é o centro do tempo. A partir desse lugar, o tempo se distancia em círculos concêntricos, inerte no centro, lentamente ganhando velocidade a proporção que aumenta o diâmetro.

Quem faria uma peregrinação ao centro do tempo? Pais com seus filhos, e amantes.

E assim, no lugar onde o tempo fica parado, vêem-se pais agarrados a seus filhos, em um abraço petrificado que nunca se desfará. A linda filhinha de olhos azuis e cabelos loiros nunca parará de sorrir o sorriso que está sorrindo agora, nunca perderá esse brilho róseo de suas bochechas, nunca ficará enrugada nem cansada, nunca se ferirá, nunca desaprenderá o que seus pais lhe ensinaram, nunca pensará pensamentos que seus pais desconheçam, nunca tomará contato com o mal, nunca dirá a seus pais que não os ama, nunca deixará seu quarto com vista para o mar, nunca deixará de tocar seus pais como está tocando agora.

E, no lugar onde o tempo fica parado vêem-se amantes se beijando nas sombras dos prédios, em um abraço petrificado que nunca se desfará. O amado nunca tirará os braços de onde estão agora, nunca devolverá o bracelete de memórias, nunca viajará para longe da pessoa amada, nunca se sacrificará expondo-se a perigos, nunca deixará de mostrar seu amor, nunca sentirá ciúme, nunca se apaixonará por outra pessoa, nunca perderá a paixão que existe nesse instante no tempo.

Aqueles que não estão exatamente no centro morto de fato se movem, mas no ritmo de geleiras. Uma escovadela no cabelo pode levar um ano, um beijo pode levar mil anos. Enquanto um sorriso é retribuído, estações passam pelo mundo exterior. Enquanto uma criança é abraçada, pontes são construídas. Enquanto uma pessoa diz adeus, cidades desmoronam e são esquecidas.

E aqueles que regressam ao mundo exterior... Crianças crescem rapidamente, esquecem o abraço de séculos de seus pais, que para elas não durou mais que alguns segundos. Crianças tornam-se adultos, vivem separados dos pais, vivem em suas próprias casas, desenvolvem suas próprias maneiras de fazer as coisas, sente dor, envelhecem. Crianças maldizem os pais por tentarem segurá-las para sempre, maldizem o tempo pelas rugas em suas próprias peles e vozes ásperas. Essas crianças agora envelhecidas também querem parar o tempo, mas em outro momento. Querem congelar seus próprios filhos no centro do tempo.

Amantes que regressam descobrem que os amigos partiram muito tempo antes. Afinal, suas vidas se passaram. Eles transitam em um mundo que não reconhecem. Amantes que regressam ainda se abraçam nas sombras dos prédios, mas agora seus abraços parecem vazios e solitários. Logo esquecem as promessas feitas para durar séculos, que para eles duraram apenas segundos. Sentem ciúmes mesmo entre estranhos, falam coisas terríveis entre si, perdem a paixão, distanciam-se, envelhecem e se isolam em um mundo que não conhecem.

Alguns dizem que não se deve chegar perto do centro do tempo. A vida é um barco de tristeza, mas é nobre viver a vida, e sem tempo não há vida. Outros discordam. Preferiam viver uma eternidade de felicidade, mesmo que esta eternidade fosse fixa e petrificada, como uma borboleta instalada em uma redoma.

Alan Ligtman (extraído do livro Sonhos de Einstein)

Se você conseguiu ler o texto na íntegra o que achou? Você entraria no centro do tempo? quem levaria com você? Seus filhos ou o(a) amante? deixe sua opinião no sistema de comentários.