domingo, abril 10

A frieza de um espelho

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A mitologia não conta, mas creio que se Narciso tivesse vivido um pouco mais para conhecer melhor o objeto de sua paixão provavelmente a estória teria sido diferente. Não suportaria tamanha frieza.


Todos eles são iguais: frios, serenos, francos, diretos. Quer seja um daqueles enormes, panorâmicos, ou um diminuto espelhinho de bolso, de nécessaire ou mesmo um espelho d’água, sua sinceridade é contundente. É preciso coragem para mirá-lo sem se abater com suas revelações. Perece que nós não estamos preparados para encarar essa coisa.


Através da luz que não é própria, afirma ele impiedoso, que, passados esses anos, com todos os fios de cabelos brancos, com aquelas ruguinhas marcantes e maduras, sem dúvida, é você que está ali. Sem máscaras, sem fantasias, despido de estereótipos sociais, desprovido da armadura ideológica que você usa lá fora, é você meu caro.


O consolo é que após cruzar a primeira porta, já na rua, na vida, ninguém mais lhe reconhecerá assim tão desnudo, tão real. Só o espelho tem esse poder destruidor sobre ti. É um raio-x da alma, do tempo. Poderia perfeitamente chamar-se Oráculo de Chronos.