Eulália nunca conheceu outra paisagem a não ser aquela, da pequena cidade incrustada entre as montanhas, no interior do interior das Minas Gerais.
Nascida e criada ali, pela avó, D.Quitéria, desde que ficara órfã de pai e mãe, aos 2 anos de idade, sonhava conhecer um mundo diferente que, talvez existisse além das montanhas. Mas não via como realizar seus sonhos.
D. Quitéria, que era mulher muito religiosa, ao enviuvar renunciou aos prazeres mundanos, os poucos que tinha, e se dedicou às coisas de Deus, às coisas do padre e à educação da neta, único parente que lhe sobrara.
A menina cresceu ouvindo a avó lhe dizer que moça direita devia andar na linha, não usar roupas que marcassem as formas, manter os cabelos presos, não usar maquiagem, andar de cabeça baixa e olhos, igualmente, baixos. Tudo isso para não despertar a cobiça dos homens. — Moça cobiçada, moça perdida — assim dizia a avó.
D.Quitéria sentindo que seu tempo neste mundo estava se esgotando, tratou de arrumar marido para a neta que, afinal, iria completar 25 anos. E ninguém melhor que o Sr. Joaquim, proprietário do único armazém das redondezas, homem de posses, viúvo, pai de três filhos e que estava à procura de uma moça boa que servisse de mãe para os seus pequenos. Combinaram tudo, sem que Eulália soubesse. Marcaram a data do casamento, contrataram festa, enfeites para a igreja.
Uma semana antes do enlace, a moça foi apresentada ao noivo, mas, conforme lhe ensinara a avó, sequer levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos.
Às vésperas das bodas, D. Quitéria achou por bem conversar com a neta sobre os deveres de uma boa esposa, mas se limitou a dizer que o marido iria procurá-la para fazer “certas coisas”, que ela tinha o dever de servi-lo, mas que se mantivesse quieta, não esboçasse nenhum movimento e nem emitisse som algum, ou o homem poderia pensar não ser ela digna de usar seu nome, tampouco de ser mãe de seus filhos.
E tudo aconteceu conforme previsto pela avó. Durante quatro anos de casamento, todos os domingos, religiosamente, às 21 horas, Joaquim se servia de Eulália. Levantava sua camisola, deitava-se sobre ela e, por exatos cinco minutos, gemia, fungava, até que se derramava dentro dela. Depois, virava pro lado e dormia, roncando como um porco.
Ela sentia nojo de tudo aquilo, mas não se queixava e nunca se rebelava, apenas cumpria sua obrigação de esposa devotada, como havia jurado ao padre.
Filhos seus não teve, seu útero se recusou, por duas vezes, a manter os frutos de todo aquele desamor. Não tendo os seus, cuidava dos filhos do marido, dele mesmo e da casa. No mais, todo santo dia ia à missa das 6 da manhã, para rezar pela alma da avó, que já tinha ido desta para uma melhor.
O tempo passou e ela, permaneceu andando, como sempre, na linha.
Às vezes se despia em frente ao espelho, soltava os cabelos, se olhava e gostava do que via, mas logo lembrava da avó dizendo que por trás de cada espelho havia um demônio escondido, para espiar as moças que se desnudavam perante ele. Cobria-se rapidamente e tratava de esquecer que ainda era jovem e bonita.
Mas, naquela noite de calor insuportável, com o homem roncando ao seu lado, sentiu uma vontade enorme de experimentar algum prazer nesta vida. Vestiu-se com sua melhor roupa, tingiu a boca com papel crepom vermelho, para lhe dar um pouco de cor, e saiu pela noite, a caminho da estação ferroviária, na esperança que alguém a encontrasse e a fizesse se sentir desejada, amada.
Era a chance que o destino gozador, irônico e manipulador, esperava para intervir em sua vida.
E foi assim que, na única hora em que resolveu se desviar da linha, um trem desgovernado a invadiu pelas costas, pela frente, virando-a de ponta-cabeça.
E toda a cidade acordou com o grito da moça:
— Nossinhora! Que trem bão por demais da conta, uai!
Foi a última noite de Eulália na vida de antes...
e a primeira noite de uma outra vida bem mais prazerosa.
Layla Lauar
Esse texto é uma homenagem a minha amiga Layla , que tem se revelado uma poeta de mão cheia, foi a grande incentivadora para que eu abrisse o Voz Ativa ,
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