quarta-feira, março 25

Povos excluídos

Comments
 
O Cigano

O discurso literário é um verdadeiro cordão de letrinhas, digo um rosário. Um rosário de letrinhas, um colar de assuntos intermináveis. Um puxa o outro, que puxa outro, que puxa mais outro, e assim vêm a reboque temas do fundo do baú que você nem percebe como chegou até eles.


O tema que caiu no meu colo desta vez foi “O Povo Cigano”. Não me perguntem por que. Talvez por que a história deles tem muito a ver com poesia, arte e um ideal inalienável de liberdade.


Minha primeira impressão sobre esse povo tão cercado de mistérios vem do tempo de criança. Quando algum grupo de ciganos acampava pela cidade sempre se ouvia o zum-zum-zum de pais preocupados, recolhendo as crianças mais cedo com medo de rapto e fazendo comentários. Cigano é ladrão, cigano é vagabundo, feiticeiro, cigano é isso e aquilo. Tudo comentários sem fundamento. Talvez o medo do desconhecido, pois a história do povo cigano é muito cheia de mistérios.
.



A verdade é que como o Cigano nunca teve uma língua escrita tudo que se sabe sobre ele foi descrito por outros povos e com certeza muita coisa é especulação, mas que, apesar de não ter tradição escrita influenciou muitas culturas e muitas literaturas através de sua tradição oral, de seus cancioneiros, tradições culturais e musicalidade.



Aceita-se a hipótese de que o Povo Cigano teve sua origem na civilização da Índia antiga, talvez três milênios antes de Cristo. Chamados de "povos das estrelas" dizem que apareceram, naquela época, ao Norte da Índia, na região de Gujaratna, de onde foram expulsos por invasores árabes. Vagaram pelo Oriente, e de forma pacífica invadiram o Ocidente e espalharam-se por todo o mundo. A partir do êxodo pelo Oriente, eles se dedicaram com exclusividade a atividades itinerantes como ferreiros, domadores, criadores e vendedores de cavalo, saltimbancos, comerciantes de miudeza e o melhor de suas qualidades que era a arte divinatória. Ler mão fazer previsões, coisas desse tipo. Viajavam sempre em grandes carroças coloridas e criavam nomes poéticos para si mesmos. Nessa vida de nômade, o Povo Cigano foi perseguido, julgado e expulso ao longo do seu pacífico caminhar.


Por onde passaram deixaram a música, a dança, as palmas, as batidas dos pés e o ritmo quente do "flamenco". Essa palavra "flamenco" vem do árabe "felco" (camponês) e "mengu" (fugitivo) e passou a ser sinônimo de "cigano andaluz" a partir do séc. XVIII.


"O Céu é meu teto; a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião" este é o ideal de liberdade do povo cigano e que traduz seu espírito essencialmente nômade e livre dos condicionamentos aos sistemas que subjugam os outros povos.



Rotulados injustamente como ladrões, feiticeiros e vagabundos, em sua maioria, os ciganos são artistas: exímios ferreiros, fabricando seus próprios utensílios domésticos, suas jóias e suas selas, e muitas outras artes inclusive a circense. Cantam e dançam tanto na alegria como na tristeza, pois para o cigano a vida é uma festa e a natureza anfitriã generosa. Com ela interagem respeitando seus ciclos naturais e sua força geradora e provedora.





A família é a base da organização social dos ciganos, não havendo hierarquia rígida no interior dos grupos. Onde quer que estejam os ciganos são logo reconhecidos por suas roupas e ornamentos, e, principalmente, por seus hábitos espalhafatosos. São um povo cheio de energia e apaixonado pela vida.

Para as mulheres descobrir os seios em público é comum e natural em suas tradições, porém não podem mostrar as pernas, pois da cintura para baixo todas são consideradas impuras. Daí a imposição das saias compridas e rodadas. Cortar os cabelos também é proibido.



A Lua Cheia é o maior elo de ligação com o "sagrado". A celebrações da Lua Cheia acontecem todos os meses em torno das fogueiras acesas. Aliás, o misticismo e a religiosidade fazem parte de todos os hábitos da vida cigana. A quiromancia é uma de suas artes. Na verdade cigano que se preza, antes de ler a mão, lê os olhos das pessoas, segundo eles, os espelhos da alma. Outra grande característica deste povo, muito explorada pela literatura é “o olhar cigano”.




Tudo que se fala deste povo ainda é muito controverso por tratar-se de um povo de cultura ágrafa, despreocupado portanto, com o registro de sua história. No entanto a cultura espanhola sofreu muita influência da cultura cigana. Muitos escritores como Gabriel Garcia Marques (colombiano) – Cien Años de Soledad (cem anos de solidão) e Frederico Garcia Lorca (espanhol) - Romanceiro Gitano (Romanceiro cigano) exploraram bem este veio. A cultura cigana influenciou outras culturas por onde passou deixando marcas nas mais diversas artes como romances, poesia, música, cinema, pintura, entre outras. Despertou o interesse de Van Gogh inclusive. A musica e a literatura brasileiras também carregam marcas desse povo de tão fascinante história.



Os Ciganos são "povos das estrelas" e para lá voltarão quando morrerem, não é poético isso! A história e a cultura do povo Cigano são fascinantes, sem dúvida.