O soneto, embora curto, constui em si uma obra fechada. Transmite uma idéia completa, com introdução, meio e fechamento. Nos versos abaixo, Cruz e Souza, aproveitando a própria estrutura do soneto fala em que consiste esta obra tão perfeita.
O soneto
Cruz e Sousa
Nas formas voluptuosas, o Soneto
tem fascinante, cálida fragrância
e as leves, langues curvas de elegância
de extravagante e mórbido esqueleto.
A graça nobre e grave do quarteto
recebe a original intolerância,
toda a sutil, secreta extravagância
que transborda terceto por terceto.
E, como singular polichinelo,
ondula, ondeia, curioso e belo,
o soneto, nas formas caprichosas.
As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
e, na mais rara procissão augusta,
surge o sonho das almas dolorosas...
Como bem posto nos versos acima, em sua forma clássica, o soneto é uma obra composta de 14 versos distribuídos em dois quartetos (estrofe de quatro versos) e dois tercetos (estrofe de três versos). Na sua forma mais difundida, em versos decassílabos (dez sílabas poéticas) heróicos, muito explorados por Petrarca e Camões, apresenta tonicidade nas 6ª e 10ª sílabas, como o que se pode ver a seguir.
Amor é fogo que arde sem se ver
Luis Vaz de Camões
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
O soneto prestou-se muito bem aos versos de amor:
Soneto do Amor Total
Vinicius de Moraes
Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Grande Vinícios, grandes sonetos!