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Florbela era portuguesa, nascida em oito de dezembro de 1894, filha de pai não declarado. Seu nome de batismo, Flor Bela Lobo, o sobrenome Espanca viria mais tarde por conta de seu padrasto. Escrevia poemas desde os sete anos. Seus sonetos os assinava “Bela”. Todos sempre profundos, autocríticos e às vezes autobiográficos, como estes:
VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...
Este aqui é um pouco profético:
DIZERES ÍNTIMOS
DIZERES ÍNTIMOS
É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!
E logo vou olhar (com que ansiedade!...)
As minhas mãos esguias, languescentes,
Mãos de brancos dedos, uns bebés doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!
E ser-se novo é ter-se o Paraíso
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!
E os meus vinte e três anos...(Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir "Que linda a vida!..."
Responde a minha Dor: "Que linda a cova!"
Dizem baixinho a rir "Que linda a vida!..."
Responde a minha Dor: "Que linda a cova!"
Sua vida foi repleta de relações tempestuosas; Florbela sofria de problemas mentais. Após casamentos conturbados, separações e abortos involuntários apresenta sinais sérios de neurose e, aos 36 anos, no dia de seu aniversário (oito de dezembro de 1930), suicida-se.
De volta a minha busca por poesia, enquanto deleitava-me com alguns de seus poemas, um deles em particular chamou-me a atenção. Eu nunca tinha lido muito sobre a poetisa portuguesa; sabia de sua existência, de sua bela poesia e coisa e tal, mas não conhecia a fundo sua produção literária. Porém, aqueles versos em particular me pareciam familiares (Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida / Meus olhos andam cegos de te ver!). Era uma poesia marcadamente apaixonada.
Você já deve ter ouvido estes versos, senão, veja-os:
FANATISMO
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!"
Captou?
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!"
Captou?
Pois é, intrigado com a familiaridade com as palavras do soneto, enveredei por uma pesquisa online que logo me trouxe a resposta. Será que descobri a pólvora? Acho que muita gente já sabia disso! A verdade é que a gente houve as músicas, mas, na maioria das vezes não se liga muito na letra, quer dizer, não se preocupa em saber quem escreveu a letra. Apenas lembra do cantor. Não é isso?
Está explicado. Estes versos eu os curti muito na voz de Fagner, meu conterrâneo. A música, que fez o maior sucesso, foi lançada pelo cantor cearense em 1981, no álbum “Traduzir-se”. A magnífica letra são os versos do soneto Fanatismo, de Florbela Espanca, escritos em 1923 e divulgados em seu “Livro de Sóror e Saudade”, e que tornaram a escritora portuguesa bastante conhecida no Brasil a partir daí.
É a poesia viva atravessando o tempo e as diferentes mídias para prestar-se a novas leituras.
Uma ótima semana a todos!
Confira: Florbela na voz de Fagner
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Crédito fotos: Florbela.
Crédito fotos:Fagner.
Lyzia · 700 semanas atrás
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!"
Captei...