É difícil ser breve quando
se fala de um poeta que não cabe em si, de um poeta que extrapola sua própria
personalidade ao ponto de em seus trabalhos subscrever-se por meio de
heterônimos para dar vazão a toda sua criatividade.
Em apenas um dos poemas de Fernando Pessoa
é possível encontrar fio para tecer muito discurso. O poema “Mar português”, tratado no post anterior, aparentemente simples, é na verdade
muito rico de simbolismos e de conteúdos histórico e metafóricos.
Na terceira estrofe o poema apresenta
uma metáfora muito interessante logo nos dois primeiros versos: “Quem quere passar além do Bojador / Tem que passar
além da dor.”, versos que tentamos entender e
elucidar aqui. Na medida do possível.
Escrito em 1922, o poema,
que faz parte da fase nacionalista do poeta, é totalmente voltado a enaltecer
os feitos de Portugal.
No momento histórico imediatamente
anterior às Grandes Navegações os limites marítimos do mundo ocidental iam pouco
além do Mediterrâneo. Cruzar o estreito de Gibraltar, ir um pouco acima pelos
mares do Norte e aventurar-se um pouco abaixo pela costa africana já eram
feitos épicos.
Bojador é um cabo que fica na costa noroeste da África, onde hoje é o Saara
Ocidental. Até 1434, o Bojador era
o limite, não só para portugueses, mas também para todos os povos peninsulares.
O cabo Bojador era também conhecido como o “Cabo do
medo” ou o “Cabo do não”. Pois em torno dele se dissipava um terror supersticioso, visto que a região era de difícil
navegação e ninguém ousava ultrapassá-lo. Naquele ano o navegador
português Gil Eanes, conseguiu o feito de ir além do Bojador. Desde então, em
Portugal, o Cabo do Bojador passou a ter um grande significado, o significado
de último limite do homem e do seu mundo.
Portanto, ir além do
Bojador, como aludido no poema, significa superar seus próprios limites, ir
além do mundo conhecido e descobrir novos caminhos, sejam eles geográficos,
comportamentais ou tecnológicos.
O outro lado da mensagem do
verso (Tem que passar além da dor) é que a superação de
limites exige sacrifício, empenho e dor. Este é o outro limite a ser superado: o
limite do próprio ser humano. Nada é de graça. Não há recompensa sem esforço.
Desde essa época o homem já
superou muitos limites. Já cruzou o Cabo das Tormentas, já chegou á Lua, ao
mundo virtual. Sabe-se lá aonde mais podemos chegar superando nossos próprios
limites.
“Mar português” tem ainda
muita riqueza a ser desvendada. Pegue um livro de Pessoa e lance suas esquadras
ao mar!
Boa semana!
O trabalho Não há recompensa sem esforço de Tony foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 3.0 Não Adaptada.
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