quarta-feira, agosto 12

Em rio que tem piranha...

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Chega a ser lugar comum afirmar que Amazônia é uma região rica. Mas, sua riqueza não se limita a recursos naturais, ela é também rica de cultura, estórias e causos.

Estávamos, eu mais dois colegas, em Manaus, a serviço da empresa, e nas horas de folga a gente fica procurando “sarna pra se coçar” até segunda-feira chegar de novo e a gente engatar no serviço outra vez. Mas, às vezes, amigo leva a gente pra cada uma!
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Nas andanças pela cidade encontramos um amigo de São Paulo que já há alguns anos morava na capital manauara. E pra mostrar que conhecia os points do pedaço nos convidou para uma caldeirada, pelos igarapés da vida. O tal do almoço, pra onde Cláudio nos levaria no dia seguinte, seria em uma casa flutuante, uma espécie de balsa de troncos onde alguns ribeirinhos montam suas casas para conviverem com as enchentes e vazantes do rio. Na casa moravam quatro pessoas; um amigo dele com a mulher e duas filhas menores.
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A casa-balsa, meio casa, meio balsa, ficava em um dos braços de rio do Tarumã. No Igarapé do Tarumã. Hoje são muito comuns os restaurantes flutuantes naquela área, mas na ocasião o local era pouquíssimo frequentado. Apenas pescadores ou ribeirinhos apareciam por ali. Não sabíamos exatamente o que nos esperava até chegarmos ao local. Cláudio nos levaria para a balsa, que ficava ancorada numa várzea do rio. O Tarumã fica na margem esquerda do Rio Negro.
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Chovia muito no dia seguinte. Aquela chuva pesada, amazônica. Mesmo assim fomos. Cláudio nos apanhou de picape no hotel. Saímos da cidade. Acabando o asfalto, pegamos uma estrada de chão. Depois de muita lama e sacolejos, chegamos, com barro até no pára-brisa, a uma palafita no meio do nada. A princípio o visual não agradava nem um pouco. Pra chegar até a casinha de madeira, cheia de perninhas, era preciso enfiar o pé na lama e depois andar por uma passarela de ripas estreitinha. Se a passarela não quebrar você chega lá. Que programa poderia dar certo num dia como aquele, naquele lugar? Meu Deus! Vida de ribeirinho é uma água. Imagine esse cenário no sobe-desce das águas.

Cláudio ao ver nosso desânimo para encarar a situação, desceu na frente, cumprimentou o dono da casa e foi logo arrumando algo para beber. E advertiu:

- Fiquem tranquilos! O negócio não é aqui, ainda não chegamos. Aqui nós vamos pegar um barco para atravessar.

- Ah, então vai melhorar, não é tão ruim assim! Pensei. Estávamos na margem esquerda do igarapé, de onde não se via outra coisa senão mato, água e aquela casinha com pernas. Teríamos que passar pro outro lado, onde seria o almoço. Cumprimentamos os donos da casa, que sempre davam apoio a Claudio para atravessar o rio, e aceitamos um cafezinho que caiu muito bem.

A chuva caía forte ainda. - Aqui as chuvas são quase diárias, repentinas e pesadas, mas logo o sol aparece. Disse o dono da casa. Descemos uma escadinha pelos fundos, com chuva mesmo, e lá estava uma canoinha de uns quinze pés, com motor de popa. Era o que eles chamam de voadeira, um barquinho de alumínio, estreitinho que, com jeito, coube os cinco. O barqueiro, Cláudio, e nós três.

Não é que a voadeira voa mesmo! Depois de uns dez minutos serpenteando pelas águas negras do igarapé, desviando de troncos e moitas, estávamos do outro lado. Ao desembarcarmos, outra vez na lama, é que me lembrei de procurar um colete salva vidas. Nem sinal de tal coisa.

Diante daquele cenário selvagem a gente imagina todos os mitos e lendas que contam da Amazônia. As sucuris gigantes virando barcos, os botos rondando as moças virgens, cardumes de piranhas devorando o gado que atravessa o rio, é tanta estória que é melhor nem pensar.

Chegamos do outro lado. A chuva dera uma trégua. Feitas as apresentações, nos fizemos a famosa pergunta:
- O que é que eu tô fazendo aqui? Mas, já que estamos dentro...quer dizer, a bordo, vamos ver o que há pra se fazer. Na verdade não havia muito; comer, beber, fotografar. O visual era a única coisa interessante, por ali.

-Como alguém que mora nessas condições cadastraria seu endereço? Me perguntei.

Apareceu um baralho e algumas linhas para quem quisesse pescar. Enquanto aguardávamos o almoço, fizemos uma roda de sueca e rolou uma caipirinha, que caiu bem para esquentar. Ainda estávamos molhados.
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O tempo enfim melhorou e, depois de duas ou três caipirinhas já tinha “artista” se apresentando. O sonzinho da casa-barco tocava músicas do festival de Parintins. Aí amigos, depois de umas doses, todo mundo é cantor. Esquecemos até os percalços para chegar ali.

Fechada a primeira rodada de sueca, e de pinga, um dos colegas mais “alegres”, resolveu dar um mergulho. Tinha vindo preparado! Não iria perder a oportunidade, afinal tinha que aproveitar o pouco que havia pra se fazer naquele sovaco de mundo. Olhou pra lá, olhou pra cá. Foi ao banheiro, se é que se pode chamar aquilo de banheiro, botou uma suguinha, foi até a ponta de uma das toras de madeira que sustentavam a casa e pulou.

Fiquei imaginando o que poderia se esconder naquelas águas negras, mas não quis desencorajar o amigo. Algum tempo depois ele se cansa de dar braçadas e sai todo prosa.

- Vocês não vão? A água ta uma beleza! No que ele vem se aproximando de nós passou por uma das filhas do dono da casa, que estava pescando com linha na mão e viu que a menina estava com o dedo sangrando. Olhou pra ela e perguntou:
- Machucou o dedo neném?

A menina, levantando um peixe pela linha, respondeu:
- Ela me mordeu. E mostrou uma piranha de uns quinze centímetros ainda se remexendo.

Nosso amigo vendo aquele monte de dentes arreganhados, prontos para devorar mais alguma coisinha, viu a bobagem que havia feito. Passou direto para o banheiro, secou-se, botou uma bermudinha e não entrou mais na água.

- Eu hein! De piranha eu só gosto do caldinho! Resmungou ele.
Aliás, caldinho de piranha com pimenta, foi a entrada do almoço.
Aquilo o fez alvo de gozação pro resto do dia. Em rio que tem piranha... minhoca não dá bobeira.