"Com efeito, o que é a vida se suprimis seus prazeres? Merece ela então o nome de vida?... Vós me aplaudis, meus amigos! Ah! Eu sabia o quanto éreis todos muito loucos, isto é, muito sábios, para não compartilhar meu pensamento... Os próprios estóicos amam o prazer; eles não poderiam odiá-lo. Por mais que dissimulem, por mais que difamem a volúpia aos olhos do vulgo, cumulando-a de injúrias as mais atrozes, é puro fingimento! Tratam de afastar os outros dela para que eles próprios a usufruam com mais liberdade. Mas por todos os deuses! Que eles me digam então qual instante da vida não é triste, tedioso, desagradável, insípido, insuportável se não for temperado pelo prazer, isto é, pela loucura. Eu poderia contentar-me aqui em citar o testemunho de Sófocles, esse grande poeta que nunca se terá louvado bastante, e que fez de mim um tão belo elogio quando disse: A vida mais agradável é a que transcorre sem nenhuma espécie de sabedoria. (...)"
Extraído de Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam – 1508.
Esse é um trecho do livro Elogio da Loucura em que Erasmo dá voz à loucura e esta sai em defesa de si mesma, numa apologia auto-elogiosa, tentando justificar sua ação na vida das pessoas. A loucura de que fala Erasmo não é aquela insanidade mental atestada por um psiquiatra, que pode levar alguém a cometer crimes, atrocidades, mas as insanidades que se cometem em nome da emoção deixando em segundo plano a razão, a racionalidade, em benefício de si próprio. Erasmo era teólogo, racionalista e escreveu este texto em 1508 para seu amigo Thomas Morus. É uma critica aos racionalistas e escolásticos ortodoxos que queriam o homem escravo da razão.
Realmente, o que seria de nós se não fosse essa loucura. As pequenas e grandes loucuras! A vida sem uma pitada de audácia, de ousadia seria insuportável. Seria tolerável a vida se a loucura não suprisse as pessoas de um ímpeto vital, irracional e incoerente quando as desilusões e desventuras as enclausuram?
Atitudes como fugir com a pessoa amada, largar o emprego por um ideal distante, a loucura de deixar a casa dos pais em busca de um lugar só seu, a loucura de amar, a loucura de ter filhos, vão dando sabores diferentes ou apimentando a mesmice da vida. Que loucura é a vida!
Loucura é experimentar o proibido, confiar no desconhecido, arriscar a última moeda; loucura é deixar o certo pelo mais gostoso. Que loucura é amar!
Loucura é raptar a mulher amada; loucura é voltar para casa do pai com um filho nos braços. Casar também é loucura, e mais que isso é a loucura de descasar: abandonar um casamento de quinze ou vinte anos, jogar tudo para cima somente para ter de volta sua liberdade e o direito de, outra vez, cometer loucuras. E se esse "louco" for uma mulher, então multiplique-se por dez o tamanho dessa loucura. Para elas seria uma insanidade sem tamanho deixar um relacionamento tão longo, confortável, abrindo mão de “direitos” ou até de filhos e ficar à mercê e de um novo destino. É loucura das grandes; não é qualquer doida que consegue. Vida longa as loucas!
E o que seria dos homens sem as grandes loucuras, loucuras que mudaram o mundo? A loucura de enfrentar a Inquisição quando a fogueira era o destino; a loucura de cruzar os mares quando o vento era a única garantia; a loucura de querer voar quando somente aos pássaros se permitia esse prazer; a loucura de ir à lua quando a terra ainda era desconhecida. Que loucura! Acho que o mundo se move à custa dos loucos!
Vivas aos loucos. Àqueles que tiveram a loucura de ousar, de romper com tabus, a loucura de amar, àqueles que cometeram a loucura de mudar a loucura que é viver. Aos demais, camisa-de-força. (Leiam Erasmo)
Ah, segunda-feira é uma outra "loucura"! Boa semana a todos! Sem insanidades, por favor!