quarta-feira, agosto 29

Coisas do anjo torto

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Orchid red by Jon Sullivan
  
As Bienais, Feiras de Livros e Festas Literárias em geral têm sempre como um de seus espaços temáticos a homenagem a um escritor renomado ou centenário. A Bienal de São Paulo deste ano homenageou Jorge Amado e Nelson Rodrigues. Na Festa Literária Internacional de Paraty – 2012, foi a vez de Carlos Drummond de Andrade, quando foram promovidas muitas palestras, mesas redondas e reedição de sua obra: Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, a obra drummondiana é extensa. E por falar nela, um ponto delicado, e às vezes polêmico, é o livro O amor natural, publicado em 1992. Não é comum se esmiuçar esta obra em discussões públicas, mesas redondas ou eventos voltados à critica literária.
 
Lembro-me de uma passagem curiosa, senão engraçada, com relação a este “livrinho”. Certa vez, num primeiro encontro com uma certa “fã”, dentre outras coisas, falamos de poesia. Até aí, nada de mais. Cheguei a ler alguns poemas para ela, dentre os quais havia um dessa coletânea. A moça arregalou seu par de olhos, violentados, e por pouco não se enfiou chão adentro. Ainda bem que ela não julgou minhas intenções pela leitura! A gente ainda se vê.
 
O amor natural, que alguns consideram pornográfico, é o livro de poemas eróticos de Drummond, a pedido seu, publicados  somente após sua morte. O poema que li naquela ocasião foi o seguinte:
***
A língua lambe
.
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
 
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
(ANDRADE, C. D. O Amor Natural. São Paulo: Record, 1992.)
...
 Não dá pra ruborizar as leitoras mais desavisadas? Mas, antes de ser fingidor, poeta é humano, não vê apenas pedras no caminho, mas também “flores”.
Põe na conta do “anjo torto”!