"O Maior São João do Mundo"
Falar do dia do trabalhador ou do dia das mães, que se aproxima, seria assunto muito previsível hoje. Não que eu os julgue assuntos de menor importância, não, mas acredito que não faltará quem queira falar dos temas durante a semana. Hoje loguei com vontade falar de Festas Juninas.
Dizer que o Brasil é um país continental é outra mesmice, não é mesmo. Mas o clichê me servirá como ponto de partida. Por ser um país continental, o Brasil é rico em identidades regionais que se revelam em manifestações culturais localizadas. No sul as tradições gaúchas são muito fortes, no Amazônas os costumes indígenas e a Festa do Boi (garantido e caprichoso) são as manifestações mais marcantes, no Rio de Janeiro o Carnaval e no nordeste, entre outros eventos, as festas juninas são o sumo da cultura nordestina.
Agora, em maio e junho, tem lugar no nordeste uma batalha cultural homérica. Uma festa onde tudo é grandioso. O título de melhor festa junina do Brasil é bastante disputado por baianos, pernambucanos e paraibanos. Porém a rivalidade se revela maior no eixo Caruaru-Campina Grande.
Trata-se da “briga” entre Caruaru - Pernambuco, e Campina Grande - Paraíba, pelo título do Maior São João do mundo durante as festas juninas. A pendenga é folclórica e nisso quem ganha é o público. O ribuliço já começa em maio e vai até o final de junho. Campina Grande fica a 120 km de João Pessoa, Paraíba, e Caruaru a 132km de Recife, Pernambuco, ambas no meio do sertão nordestino. E as duas distam cerca de 130 km uma da outra. Para quem curte forró e quadrilhas juninas é tudo de bão.
As festas juninas tem sua origem lá no Egito antigo. Quando a região passou ao domínio romano esses costumes chegaram a Europa, principalmente Espanha e Portugal. Muito tempo depois com o domínio português no Brasil, essas tradições chegaram até aqui. A festa tem fundamentação religiosa onde são homenageados Santo Antonio (13/06), São João (24/06), e São Pedro (29/06).
Mas o caboco tem que ser arretado. O evento, ou eventos, que dura cerca de 45 dias reúnem dezenas de bandas de forro e cerca de 200 trios elétricos. E como a briga é pelo título de melhor, tudo é grandioso. A maior fogueira do mundo, a maior pamonha, o maior cuscuz do mundo, e por aí vai. Quem não é o maior tem que ser o mió. Para quem quer conhecer a cultura nordestina e é “doido por forró” não tem tempo mió. É bomdimais!
Tem concurso de quadrilhas, legítimo forró pé-de-serra, bandas de pífaros e cantores regionais. Em Campina Grande tem até o Trem do Forró, com oito vagões de puro forró pé-de-serra. E a culinária local é um atrativo a mais. Irresistível!
Em Caruaru pode-se ver a queima de milhares de fogueiras que iluminam as ruas da cidade em homenagem aos Santos Padroeiros da Festa. Ah, e não esqueça a Feira de Caruaru, patrimônio cultural.
O público é estimado em 1,5 milhão de pessoas durante os festejos, o que gera uma arrecadação de cerca de R$ 20 milhões e mais de 2.000 postos de trabalho. O evento é tão grandioso que é financiado por prefeituras e Governo do Estado.
Qual o melhor? Se é Campina ou Caruaru, é o que menos importa, nessa briga quem ganha é nóis. É só pruveitá o arrastapé e o rela-bucho. Ocê só tem qui dicidi: vai pra Campina ô pra Caruaru?
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A arenga também fica por conta de cordelistas e repentistas:
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Meu poeta campinense
Antes que padeça rouco
Vou então falar um pouco
Do seu grande São João
Turistas mais de um milhão
Da nação e até de fora
E por vinte e quatro horas
Tanta dança e mais chamego
Que haja raça e resfolego
Pra aguentar o seu rojão.
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Mestre Antônio Mulatinha
Tudo o que possa pensar
A cabeça de um cristão
Sobre o que tem num lugar
Numa festa de São João
De fato tem nessa terra
Tem um arraial gigante
Com artistas populares
Dos diferentes lugares
Pipocando o pé de serra
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Tem nas ruas da cidade
Todo tipo de quadrilha
O que lá se chama drilha
Na voz da modernidade
Tudo que é apresentação
Dos estilos nordestinos
De Xote, Xaxado, hinos
Do Xamego e do Baião
Lá se encontra de verdade
Cobertos de precisão.
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Tanta gente, meu poeta
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Tanta gente, meu poeta
Tanta mulher das rendeiras
Tem fogoza e rezadeira
Inocente ou bem esperta
Uns cabras bacamarteiros
Uns antigos cangaceiros
A contar de Lampião
De tudo lá muito presta
Por isso o santo lhe empresta
O primado do São João.
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Essa cidade arretada
Pra festa descomunal
Fica toda espoletada
Meu poeta Mulatinha
As comidas, as bebidas
As famílias nas calçadas
Bandeirolas, barraquinhas
Fachadas ornamentadas
Vêm lembrar a Xanduzinha
No tempo de embonecada.
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Poeta da Mulatinha
Tudo lá é exagerado
O cuscuz, o milho assado
A canjica mais pamonha
E a duração da festa
Por isso tudo, amigo meu
Numa afirmação modesta
Juro por teu São Raimundo
Que melhor São João do mundo
É mesmo o nosso e não o seu.
Trecho do cordel "O Melhor São João do Mundo" de Lucas Tenório