Após uma ligeira observação do comportamento do homem contemporâneo, nos damos conta de que o estereótipo de Quixote repete-se dia após dia. Chega um determinado momento em nossas vidas em que nos dá uma doideira e então travestimo-nos de “cavaleiro”, imitando o feito de Dom Quixote. Trajando armadura de professor, doutor, escritor, ou qualquer outro ofício moderno, saímos por aí cavalgando e combatendo fantasmas sociais. Honrando bandeiras, vamos defendendo causas que abraçamos como nossas, muitas vezes sem sequer sabermos o porquê e para que. Mesmo assim, seguimos deslumbrados, fascinados, tentando debelar nossos opositores para cumprir com a missão que assumimos: desfazer os malfeitos.
Montados em nosso Rocinante, hoje o “possante”, de quatro rodas e não mais de quatro patas, empunhando espadas, perdão, notebooks, celulares, palms e outros artefatos de comunicação da era moderna, marchamos rumo ao inimigo rastreando antenas para fazer as nossas primeiras conexões do dia, sem as quais a nossa batalha não deslancha.
Tomemos como exemplo o companheiro Quixote-professor. Um louco! Diriam muitos. Ou seria um sonhador? Um belo dia, um alucinado rato de bibliotecas, diria “vou ser professor e combater o a cegueira das letras. Vou contribuir para derrubar os altos índices de analfabetismo, ou de iletramento, do meu Reino”. Enfiado então numa armadura contra o salário-merreca, a falta de incentivos e a desvalorização da profissão, segue o nosso intrépido cavaleiro, com a ajuda de fiéis escudeiros a enfrentar seus moinhos de vento. Não importa que os outros o vejam como louco, sonhador ou idealista. Umas pauladas aqui, uma queda ali, ele segue com sua fantasia real e nem se dá conta de que a armadura está enferrujada, amassada empoeirada e obsoleta.
Suas “armas” de cavaleiro-professor, ou sejam, livros, canetas, quadro, o jurássico giz, enfim, todos esses itens “arqueológicos”, estão hoje, sendo substituídos por armas mais modernas como computador, projetor, Internet, e por aí vai. A depender do arsenal à disposição do nosso destemido cavaleiro, a vitória é certa! No entanto, os registros e estatísticas atuais não confirmam suas expectativas otimistas.
Seu Rocinante não consegue progredir no terreno inóspito, íngreme e às vezes lamacento que enfrenta para chegar a uma sala de aula. O aparelho de montaria e a armadura que o Estado lhe oferece não lhe permitem saltar grandes obstáculos para encarar o educando com a firmeza necessária. Ás vezes, até consegue que alguns “inimigos” se entreguem, mas a luta é árdua e desleal. Logo, logo um novo exército de mazelas sociais estará a desafiá-lo.
De que adiantam computadores encaixotados, salas de informática ou bibliotecas informatizadas, escolas com piscinas, sem os profissionais necessários e devidamente motivados para a manutenção e o gerenciamento dessa infra-estrutura? Assim o nosso cavaleiro será alvo de descrédito, chacota e depreciação de sua nobre missão.
Só boa vontade não basta. É preciso não só idealismo e sonho, é preciso e muito mais.
Ainda há esperança. Enquanto o companheiro Quixote-professor não acorda, o sonho continua. O fundamental, a imagem quixotesca do mestre, resiste. E continuará assim na sua eterna luta para endireitar os malfeitos no reino da educação.
E aí, que Quixote é você?